Grunge: a sujeira de que um mundo musical higienizado precisava

O clima sombrio da música e o nascimento do Grunge

Por, Kalel Adolfo 

       Pessoas gritando. Um palco escuro. Ouve-se o barulho de guitarras distorcidas. Alguns segundos depois, Kurt Cobain entra em cena, vestindo apenas um jeans velho e um suéter cinza. Ele está com o cabelo bagunçado e deseja “Feliz Halloween” para a plateia, antes de iniciar a primeira canção de um setlist com menos de uma hora, no Paramount Theater, casa de shows localizada na cidade de Seattle.

Letreiro da arena Paramount anunciando show do Nirvana em 1991 (Foto: https://blogsetimovolume.wordpress.com/2016/08/12/nirvana-live-at-the-paramount-91-analise-do-show/)

      Dentro do estado de Washington (EUA), Seattle se tornou o berço da cultura Grunge. Bandas como Pearl Jam, Alice in Chains, Soundgarden e Nirvana tiveram origem na cidade. O movimento e gênero musical explodiu nos anos 90, abrindo um novo capítulo na história do rock.

O anti-herói do mundo da música

     Antes do grunge, o Heavy Metal e o Hard Rock dominavam as paradas e ditavam alguns parâmetros: A técnica vocal dos artistas deveria ser impecável. O cabelo, estilo e habilidades na guitarra deveriam passar a sensação de que estávamos presenciando um espetáculo de alto orçamento. Este pensamento estava prestes a ser quebrado.
     Com roupas velhas, riffs de guitarra pouco complexos e vocais barulhentos, o movimento se tornou o antídoto para a busca da perfeição entre os rockstars da época. O termo “Grunge” significa sujeira, e é exatamente essa atmosfera ríspida e crua que fez o gênero transcender as fronteiras da música e tornar-se uma identidade cultural.

Grunge como identidade cultural

     “Era como uma resposta as músicas super produzidas da época. Não soava falso. Se tratava apenas de pura emoção”, diz Heloísa Freitas, jornalista de 24 anos no portal Minha Vida e grande fã do movimento. Muitas canções do gênero retratavam um lado “imperfeito” e obscuro dos artistas.
      As composições vinham carregadas de frustração e angústia social, tudo de maneira irônica. Esse estilo de escrita é um reflexo da influência do movimento Punk dos anos 70, que também tinha um caráter de revolta frente a uma sociedade que tenta nos colocar em uma caixa.
     Tudo isso culminou em uma forte explosão cultural. A necessidade de se opor ao antigo, junto com a oportunidade de se desconectar das regras, focando-se apenas na expressão de sentimentos e em uma identidade rebelde e despojada, fez com que o Grunge atingisse milhões de fãs pelo mundo.

Seattle: Por que se tornou o berço do grunge?

Admiradores de Grunge em um concerto na cidade de Seattle (Foto: https://www.smore.com/592se-the-seattle-grunge-movement)

     Jonathan Poneman, fundador da gravadora Sub Pop (a primeira a apoiar e assinar artistas do gênero), disse em entrevista ao Clash Music que o grunge teve sua origem em Seattle devido ao seu isolamento do cenário musical norte-americano. A mídia tinha foco em Nova York e Los Angeles.
Por conta dessa segregação e de um cenário artístico constantemente ativo, começaram a surgir bandas de garagem. Essas bandas foram desconstruindo gradativamente a ideia de que apenas uma grande estrutura poderia oferecer um grande show.
    Em meio ao aquecimento do Grunge, duas bandas acabaram pavimentando o caminho para o sucesso do movimento: Soundgarden e Green River. Ambas foram as primeiras do gênero a assinar contrato com uma gravadora, a Sub Pop.

Concerto de Soungarden (Foto: Charles Peterson) 

    Pouco tempo depois de sua formação, os cinco integrantes do Green River se separaram. Mark Arm e Steve Turn formaram o “Mudhoney”. Já Stone Gossard e Jeff Ament entraram para o “Mother Love Bone”, outra banda que estava ganhando notoriedade nos Estados Unidos e que tinha como vocalista Andrew Wood.
   Porém, após o lançamento do álbum “Apple”, Andrew Wood morreu. Para homenageá-lo, os membros restantes criaram um projeto paralelo chamado “Temple of the dog”, que reuniu músicos do Soundgarden, Mother Love Bone e teve a participação de Eddie Vedder, futuro vocalista do Pearl Jam.
     O projeto teve uma boa repercussão, e a química entre os participantes foi boa o suficiente para fazer com que Eddie Vedder e o duo Jeff Ament e Stone Gossard (do antigo Green River) juntassem força e formassem o Pearl Jam. Com isso, mais uma grande banda surgia na cena para catapultar o movimento.

Explosão do Grunge 

      O início dos anos 90 marcou a explosão do grunge. Com Soundgarden sendo a primeira banda a assinar contrato com uma grande gravadora, a A&M Records, o movimento adquiriu respeito e veio a se tornar mainstream.
    A cartada final foi com o surgimento do Nirvana, que remodelou a história do rock. O álbum “Nevermind” chegou a vender algo em torno de 400 mil cópias por semana na época, e hoje já acumula mais de 30 milhões de cópias vendidas.
    A MTV, canal que construiu a identidade musical de muitas pessoas por sua transmissão de concertos e videoclipes, apoiou o grunge. Videoclipes do Nirvana, Pearl Jam e Alice in Chains dominavam a programação, desbancando artistas como Madonna e Michael Jackson.

A queda do movimento

    Entretanto, assim como sua rápida ascensão, a queda do movimento também aconteceu de forma veloz. A proposta do grunge era ser um antídoto aos sons comerciais e cultivar a simplicidade das estruturas musicais. Entretanto, ele veio a se tornar exatamente aquilo que criticava,  já que agora o movimento fazia parte do mainstream. Sua proposta já não era coerente.
   Com a morte de Kurt Cobain em 1994, os ultimos shows de Alice in Chains com sua formação original em 1996 e a dissolução do Soundgarden em 1997, o grunge perdeu a força e permaneceu como uma memória dos anos 90.

Ele continua vivo? 

     Hoje o gênero como identidade musical e cultural não é mais uma força devastadora como um dia já foi. Porém, bandas como o Foo Fighters carregam diversas influências do gênero. Gerações passaram o movimento a diante. E seu propósito ainda ecoa dentro de muitas pessoas, gerando identificação imediata.
    O Grunge foi enfraquecendo em meio ao surgimento de novas vertentes musicais. Entretanto, seu significado continua armazenado como uma emoção, pronta para tomar conta de nós e nos relembrar de que nunca é tarde para quebras as regras e encontrar liberdade em meio ao caos.